O grande problema, até hoje não resolvido, é que a maioria
dos estados não consegue estruturar seus sistemas de gerenciamento de recursos
hídricos de forma que possam assumir as atribuições previstas em lei. Minimamente,
esta apropriação dos recursos sob seu domínio requer o conhecimento das
disponibilidades e das demandas. O conhecimento das disponibilidades, em
quantidade e em qualidade, requer uma rede hidrométrica – sempre com dados
quantitativos e qualitativos; e para conhecer as demandas é necessário um
cadastro atualizado de usos de água.
Mais ainda, há necessidade de fiscalização, pelo menos em bacias
críticas, avaliando se a água está sendo usada de acordo com as outorgas.
Quantas unidades da federação podem apresentar esta situação? É fácil constatar
que haverá necessidade de se ter um órgão outorgante com pessoal, material e
recursos em montante tanto maior quanto maior for o território estadual e a
área das bacias críticas nos balanços de quantidade e de qualidade de água. Em
qualquer caso, mesmo de estados diminutos como o de Sergipe, há necessidade de
se ter uma equipe considerável, e com sólida formação na área, material e
recursos.
No entanto, mesmo quando o estado se organiza para ter um
número suficiente de profissionais em seu órgão outorgante, frequentemente a
remuneração não é competitiva com o que é oferecido seja pela iniciativa
privada e pelas estatais ou, a partir de 2004, pelo órgão outorgante federal, a
Agência Nacional de Água. O resultado é que boa parte dos profissionais qualificados
do âmbito estadual acaba migrando para a ANA, como já ocorreram várias vezes, ou
para a iniciativa privada ou estatais, com melhores níveis de remuneração. Isto
tem acarretado, permanentemente, que os profissionais mais experientes do órgão
outorgante saiam gradualmente, sendo substituídos por profissionais recém-formados
que tão logo adquiram experiência migram para empregos e salários mais
satisfatórios. E, em épocas mais recentes, em que a demanda por engenheiros
aumentou, que os órgãos outorgantes estaduais mantenham um grande número de profissionais
não-engenheiros, sendo gradualmente esvaziado de engenheiros que o mercado vem
contratar.
Não critico a existência de profissionais não-engenheiros
nos órgãos outorgantes estaduais, mesmo por que eles são necessários para
tratar as águas em seus múltiplos aspectos. O problema é que em suas formações
acadêmicas não são oferecidos conhecimentos de disciplinas como hidrologia,
hidrogeologia, hidrometria, planejamento de recursos hídricos, que são necessários
à atuação profissional. Muitos desses não engenheiros acabam tendo que se
esforçar em estudos e em cursos de especialização, para adquirirem os
conhecimentos que lhes falta, e conseguindo estabelecer uma atuação
profissional elogiável, mas não é esta a regra. Aqueles que atingem este nível
acabam, porém, novamente sendo atraídos por colocações com melhores salários e
oportunidades de crescimento profissional.
Obviamente, toda generalização é burra. Existem casos
exemplares de profissionais que se mantiveram nos órgãos outorgantes estaduais
por acreditarem no que fazem, por entenderem estar dando uma contribuição
importante – e efetivamente a dão – a despeito de ofertas financeiras mais
vantajosas que em vários momentos lhes foram apresentadas. No entanto, os
Sistemas Estaduais de Recursos Hídricos não podem depender desses idealistas, e devem garantir condições comparáveis ao que seus bons profissionais encontrariam no
mercado de trabalho. Infelizmente, não é esta a regra.
A consequência deste processo é que os órgãos outorgantes
estaduais, que são os que contratam os planos, muitas vezes não têm pessoal, em
número e em capacitação, para acompanhá-los. Ocorrem situações em que os
comitês, muitas vezes integrados por profissionais da área, e por professores
de instituições de ensino superior, sejam a contraparte técnica mais sólida
para acompanhamento de um plano. Isto, obviamente, nas bacias hidrográficas
mais desenvolvidas, e com maiores dinâmicas econômicas, e que atraiam
empreendimentos, gerem renda e permitam o estabelecido de instituições de ensino
superior. Nas demais, acaba havendo um acompanhamento pouco qualificado, o que permite
que consultoras oportunistas e sem visão de futuro deixem de fazer o melhor que
podem.
Para corrigir isto, haveria duas possibilidades. A mais
direta é melhor remunerar os técnicos dos órgãos outorgantes estaduais, dando-lhes
perspectiva de ascensão profissional, e capacitação por meio de cursos na
empresa ou fora dela. Outra possibilidade, que também tem sido empregada,
especialmente quando um Plano Estadual de Recursos Hídricos é contratado, é
prover a equipe do órgão outorgante com assessoria técnica especializada, na
forma de consultoria externa. No entanto, os estados devem entender que seja
qual for o arranjo adotado, a capacitação dos seus funcionários é um dos
fatores mais importantes para a gestão eficiente. Melhor seria investir nisto,
de forma a habilitar seu pessoal para fazer o “feijão-com-arroz” do
gerenciamento de recursos hídricos – cadastro, outorga e fiscalização – do que
deixá-los desmotivados e, em paralelo, contratar planos que, por falta de
acompanhamento qualificado, acabarão tendo talvez qualidade duvidosa e sempre efeitos
nulos, por falta de capacidade interna de implementação.
Respaldado na minha experiência como diretor de recursos hídricos em SC, em dois períodos, endosso totalmente tuas observações.
ResponderExcluirHéctor Raúl Muñoz
Professor Lanna, Professor Héctor, bom dia!
ResponderExcluirApenas para acrescentar, as empresas de consultoria especializadas em recursos hídricos também acabam sofrendo por esta falta de estrutura, uma vez que raramente os instrumentos previstos em lei são cobrados.
Desta forma, toda a cadeia de trabalho em recursos hídricos, desde a elaboração das normativas, passando pelas consultorias e chegando na aplicação dos conhecimentos é comprometida.
Inevitavelmente, quem sofre o dano é a população com diversos problemas associados ao uso da água.
Parabéns pela página, professor Lanna.
Agradecemos a tua contribuição.
Marcus Phoebe.