sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

4 – A entrada dos comitês de bacia hidrográfica

Foi apenas no novo século, quando já havia integrado equipes na elaboração de uma dúzia de planos, que foi iniciada a participação dos comitês de bacia no processo deliberativo. Antes, como inexistia comitê, não havia praticamente discussões com a sociedade e nem consultas públicas. Os planos do Rio Grande do Sul, por exemplo, em um perfeccionismo autenticamente gaúcho, eram chamados de “Avaliação Quali-Quantitativa das Disponibilidades e Demandas de Água na Bacia Hidrográfica do rio X”. Se não havia comitê, como a lei dizia, não era plano, portanto. Mas em seu conteúdo os estudos gaúchos se assemelhavam a tantos outros estudos denominados planos nos demais estados.
No entanto, mesmo nesta primeira década do século XXI, os comitês ainda estavam em formação, ou existiam pró-comitês de bacia, como no Tocantins. Eles ainda não entendiam muito bem o papel que tinham no sistema. Por isto, havia muita confusão, tanto da parte da sociedade, mas também da parte técnica.
Na parte técnica ocorria às vezes o arroubo de colegas em comentar, ao início, que o plano iria resolver todos os problemas da bacia. Isto levava muitos participantes dos pró-comitês, mais atentos, a pensarem que um plano de recursos hídricos de bacia hidrográfica era um plano integral de desenvolvimento sustentável da bacia hidrográfica. Que estaríamos atentos e oferecendo soluções a todos os problemas ambientais da bacia e não - o que era de fato nossa atribuição contratual - apenas solucionar os problemas de adequação, em quantidade e qualidade, das disponibilidades e das demandas hídricas.
Os membros dos comitês, ou pró-comitês, tinham uma visão muito paroquial do processo. Era de interesse o problema que os afetava diretamente, no quintal de suas casas, no balneário de suas cidades, na captação de suas fazendas. O que não era, e nem é errado, mas que muitas vezes não se tratava de problema de planejamento, mas de fiscalização. Ainda hoje, muitas vezes aparecem problemas que são derivados da carência da atuação do órgão outorgante, que ou não outorga as demandas e deixa que a apropriação da água seja desordenada, ou outorga, mas não fiscaliza, resultando nos mesmos problemas. Várias vezes tive que intervir nestas discussões identificando o que não é problema de planejamento, mas de gerenciamento e de mera aplicação da lei.
Neste tema, sempre me lembro da definição clássica do professor Russell Lincoln Ackoff (1919 –2009) que entendeu o planejamento como “a concepção de um futuro desejado e dos meios práticos para alcançá-lo”. No caso da apropriação desordenada da água o que temos é um presente indesejado. Para alcance de um presente menos traumático há necessidade simplesmente do órgão outorgante se organizar para realizar as suas atribuições.
Um plano de recursos hídricos também não é um plano de organização institucional ou, pelo menos, se for este o problema, sairiam mais barato e rápido, em contrato paralelo, resolver esta questão. Que muitas vezes aparece no plano como um programa de consolidação da gestão de recursos hídricos. Por isto, ainda hoje, me causa desconforto lidar com planos que tentam resolver problemas urgentes correntes, quando para isto melhor seria a contratação de um estudo institucional para que o poder público assuma suas atribuições e resolva os problemas que geralmente decorrem do uso desordenado da água, no presente. É mais simples e rápido, e mais preciso pois os problemas presentes são ou podem ser conhecidos em um diagnóstico (fase A dos planos). O prognóstico, que projeta o futuro incerto, poderia ser descartado em um estudo cujo objetivo é resolver os problemas atuais. 

Um comentário:

  1. Prezado Lanna,
    Sobre o tema 4 – A entrada dos comitês de bacia hidrográfica, vc tem muita razão quando comenta os desentendimentos a respeito dos planos de recursos hídricos, tanto nos integrantes dos comitês como, muitas vezes, no âmbito dos técnicos. Eu gostaria apontar, baseado na experiência em SC, um aspecto complementar na sua mesma linha de raciocínio. Nós temos o hábito de falar de "Comitê da Bacia X" . Outras vezes, de "Comitê de Gerenciamento da Bacia X". Analogamente, muitas vezes nos referimos ao plano de recursos hídricos de uma bacia como “Plano da Bacia”. Mas, bacia é território e assim, indiretamente, estas denominações induzem, ou pelo menos induziram no início, a um entendimento errado das atribuições dos comitês previstos tanto na Política Nacional quanto na Estadual de Recursos Hídricos. Em 2001, atuando no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Tubarão e Complexo Lagunar (SC), pude perceber que algumas das pessoas mais ativas participantes no Comitê tinham chegado lá pensando que ao comitê correspondia gerenciar a bacia, isto é o território. Pensavam que o comitê tinha atribuições que, de fato, competem aos municípios. Estas pessoas ficavam muito desapontadas e, eu diria, desmotivadas, quando lhes era explicado que as atribuições do comitê se reduziam a aspectos relacionados com o gerenciamento dos recursos hídricos da bacia. Outras, na mesma linha, pleiteavam que tudo e qq processo de licenciamento ambiental devia ser submetido ao crivo da aprovação do comitê. É claro que, com o passar do tempo e as diversas campanhas de esclarecimento, estes equívocos vão sendo superados. Mas, em algum grau ainda persistem. E, embora eu tenha mencionado especificamente o “Comitê Tubarão”, a verdade é que tenho vivenciado a mesma experiência em outros comitês catarinenses. Neste sentido, parece-me que uma providência urgente é deixar de falarmos de “Comitês de bacia” e passar a usar a denominação “Comitê de Águas” , “Comitês de Gerenciamento da Águas” ou algo similar, mas algo que não induza a pensar em gestão do território da bacia pois, salvo engano da minha parte, essa atribuição é dos municípios.
    Y a propósito de municípios, uma das questões que considero mais importantes e que não sp é bem abordada é a questão do relacionamento “ComitêxMunicípios”. Em diversos casos encontrei-me com pessoas que enxergavam o comitê como um espaço de briga com os municípios, mais especificamente com os prefeitos. Uma entidade soberana nas decisões e às quais todas as autoridades municipais deviam submeter-se. Por outro lado, tenho percebido a desconfiança de muitos executivos municipais em relação aos comitês, especialmente questionando a representatividade dos seus integrantes. Depois de tudo, não pode se negar que um prefeito ou um vereador tem muito mais representatividade sócio-política que qq membro de comitê de bacia, pelo simples motivo da diferença entre os universos e sistemas de eleição. Por outra parte, os executivos municipais estão submetidos à uma fiscalização que a legislação impõe quanto aos seus afazeres como pessoas públicas, coisa que não acontece com os integrantes de comitê. Mais de uma vez escutei dizer a representantes de municípios e também a representantes de usuários, que é muito fácil definir normas y exigências para quem não tem a responsabilidade de executá-las. Em fim, esta é uma área na qual ainda temos muito para avançar. Creio que este assunto requer de posturas abertas, sem pré-conceitos, que induzam à colaboração e integração e não ao desentendimento. Total, as decisões dos comitês deveriam servir de balizamento para as decisões tomadas a nível municipal. As experiências que conheço de posturas radicalizadas, enfrentando comitês e executivos municipais não tem sido de resultados positivos.
    Talvez tenha me afastado um pouco do foco de tuas considerações, centradas na questão dos planos de recursos hídricos, mas pareceu-me oportuno registrar algo que tenho encontrado com bastante freqüência e que me parece importante.
    Héctor Raúl Muñoz

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