Os termos de referência, ou TRs, sempre estão presentes no
universo do consultor que é contratado para elaborar estudos e projetos. É lá
que o contratante explica o que deseja, em termos de produtos, de metodologias,
de prazos, etc.
Meu envolvimento com TR iniciou, portanto, nas primeiras
experiências profissionais como consultor. Mas foi só bem adiante, no início
dos anos 90, se bem me recordo, que fui contratado pelo BID para elaborar um TR
para contratação do Plano de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos do
Distrito Federal, que tive a experiência “do outro lado do balcão”. Que é
deliciosa, pois no TR se pode colocar uma imagem do paraíso, demandar tudo o
que faria um plano perfeito. O problema será transferido para os consultores contratados
que enfrentarão a realidade, muitas vezes mais próxima ao inferno, para tentar
levá-la, se possível, o mais próximo possível do paraíso almejado no TR. Uma
longa distância, na maioria das vezes. O “aqui de faz, aqui se paga” do título
desta inserção é que alguns anos mais tarde este plano foi contratado, tendo
por referencial o TR que havia elaborado, e fui chamado pela consultora para
elaborar a parte dele que se relacionava com os instrumentos de gerenciamento
de recursos hídricos. Senti na pele, então, e sem poder reclamar, as demandas
de um TR exigente, elaborado por um perfeccionista que não avaliou a
dificuldade de sua implementação: eu mesmo!
Neste TR me lembro ter adotado e aprofundado um esquema que
havia visto tempos antes em um plano de saneamento na bacia do rio dos Sinos/RS:
esse TR definia os produtos que desejava, estabelecia metas para eles e
apresentava indicações metodológicas, orientando como deveria ser a abordagem
para desenvolvimento dos produtos. Interpretei aquilo de uma forma talvez mais
radical que na proposta original: que um TR deveria simplesmente dizer o que
deve ser gerado como produto, apresentar orientações metodológicas genéricas
para melhor conformar este produto desejado e deixar que as consultoras
licitantes decidam qual a melhor metodologia para atendimento às demandas. Isto
por que muitos TRs eram, e ainda são, demasiadamente detalhados. Eles, de certa
forma, definem passo a passo a abordagem metodológica, o que faz com que
qualquer consultora possa apresentar uma proposta metodológica adequada: basta
copiá-lo. Isto colocaria no mesmo balaio consultoras competentes com outras que
pouco sabem daquela matéria. Consequência provável é que apresentarão preços aviltados
– pois eles decidirão o certame -, e conseguirão o contrato que não poderão
levar adiante a contento, tanto por incapacidade, quanto pelo orçamento depreciado.
Um TR menos “mastigado” teria a possibilidade de contrastar as boas das más
consultoras, portanto, pois nos aspectos metodológicos é que se sabe quem tem e
quem não tem competência.
Obviamente - e este parágrafo atende um comentário do colega Hector Muñoz a esta postagem - o TR deve "mastigar" o suficiente aquilo que se deseja como produto para evitar que posteriormente à contratação existam disputas sobre o que era e o que não era previsto. Isto demanda um equilíbrio entre a precisão da definição do produto que se deseja e a redundância na apresentação de orientações metodológicas para obtê-lo. Isto pois, muitas vezes, a definição mais precisa do produto passa necessariamente pela metodologia que o apresenta. Exemplo: pode-se exigir a estimativa de disponibilidades hídricas superficiais pelo ajuste de modelos matemáticos tipo chuva-vazão ou pelo uso de regionalização hidrológica, com resultados distintos quanto à precisão. Nesses casos será inevitável precisar a metodologia. Mas nem sempre isto será necessário, e é um apelo ao bom senso que faço: o TR deve estar mais focado nos produtos que deseja do que na metodologia para fornecê-los, devendo detalhá-las apenas quando isto for necessário à maior precisão da definição do que é desejado.
Obviamente - e este parágrafo atende um comentário do colega Hector Muñoz a esta postagem - o TR deve "mastigar" o suficiente aquilo que se deseja como produto para evitar que posteriormente à contratação existam disputas sobre o que era e o que não era previsto. Isto demanda um equilíbrio entre a precisão da definição do produto que se deseja e a redundância na apresentação de orientações metodológicas para obtê-lo. Isto pois, muitas vezes, a definição mais precisa do produto passa necessariamente pela metodologia que o apresenta. Exemplo: pode-se exigir a estimativa de disponibilidades hídricas superficiais pelo ajuste de modelos matemáticos tipo chuva-vazão ou pelo uso de regionalização hidrológica, com resultados distintos quanto à precisão. Nesses casos será inevitável precisar a metodologia. Mas nem sempre isto será necessário, e é um apelo ao bom senso que faço: o TR deve estar mais focado nos produtos que deseja do que na metodologia para fornecê-los, devendo detalhá-las apenas quando isto for necessário à maior precisão da definição do que é desejado.
Não sei exatamente se a divisão que se tornou clássica nos
planos de recursos hídricos no Brasil, com a Fase A de Diagnóstico, B de
Prognóstico e C de Ações já era praxe em outros TRs que conhecia. O fato é que
assim distribui as fases do TR e, portanto, do plano do DF. Esta é uma questão
que merece reflexão. O que temos de conhecimento é resultado do acúmulo de
experiências que vivemos, com participação de vários outros colegas. Em
determinado instante nunca se sabe com certeza se aquilo que imaginamos ter
criado foi resultado de uma sacada individual, ou de uma adaptação e organização
de ideias por outros criadas. O fato é que esta divisão nas 3 fases até hoje
permanece, o que parece lógico: em qualquer plano de deve ter um diagnóstico
situacional, uma visão de futuro com projeções ou cenários alternativos e, finalmente,
“os meios práticos para alcançar o cenário desejado, como ensinava Ackoff, na
última fase.
Faço esta ressalva acima por que a coisa não parou por aí.
Anos depois, lá pelo ano 2000, a Secretaria de Recursos Hídricos do MMA se
preocupou em elaborar um modelo de TR para orientar a contratação de planos de
recursos hídricos que estavam na pauta das atividades. Para isto realizou workshops
em algumas cidades para mostrar o que já havia de acúmulo e avaliar o que faltava.
Fui a um desses eventos e me deparei com uma dinâmica meio dispersa, em que as
pessoas mais discutiam o que deveria ser um plano ideal, do que suas ideias de
organização de um TR que permitisse que fosse produzido este plano idealizado.
Pensando nisto, quando retornei ao meu escritório, peguei o arquivo do TR que
havia elaborado para o DF, adaptei-o, retirei referências locais, e passei aos
colegas que estavam à frente da atividade de elaboração do TR padrão para a
SRH/MMA. Soube alguns meses depois que meu modelo, não sei com que alterações,
havia sido passado para colegas do CETEC/MG, que detalharam algumas partes e
alteraram outras, e retornaram à SRH. Mais adiante, em 11/12/2002, o Conselho
Nacional de Recursos Hídricos aprovou a sua Resolução 17, que “estabeleceu diretrizes
para elaboração dos Planos de Recursos Hídricos de Bacias Hidrográficas”, e que
em seu anexo apresentava um modelo de TR que reconheci em muitas partes o que
havia elaborado para o DF. Este anexo, da resolução hoje revogada, inspirou a
elaboração de muitos TRs que tive que cumprir em outros planos de recursos
hídricos a partir de então. Muitos o chamavam de “maldito TR” ou outras
denominações pouco lisonjeiras, para minha diversão, que atenuava o esforço que
despendia em, mais uma vez, de implementar as suas exigências nos planos em que
me envolvi.
Portanto, me sentindo um pouco responsável pelos problemas
de atendimento às exigências de um TR, passo às suas análises. Para tanto, há
necessidade de serem divididas nas suas 3 fases, agora clássicas: Diagnóstico,
Prognóstico e Ações. Elas serão objeto das próximas inserções, nessa mesma
ordem.
Concordo contigo que a essência de um TR deve ser a de dizer simplesmente qual o produto desejado, apresentar orientações metodológicas genéricas e deixar que as consultoras decidam qual a melhor metodologia para o caso. Mas, mesmo pensando assim, devo reconhecer que, não poucas vezes, os TR requerem de algumas orientações específicas e, portanto, deveriam concluir num texto intermédio entre o detalhamento que tu justamente criticas e o ideal conceitual acima.
ResponderExcluirA propósito do tema em pauta e do que nos contas, lembro de uma experiência durante meu segundo período de diretor de recursos hídricos em SC, em 2004. A nossa realidade era condizente com o que vc expôs na inserção “A (falta de) estruturação dos sistemas estaduais de recursos hídricos”. Éramos “4 gatos pingados” com muita carga de trabalho para atender. Uma delas era lançar os editais para 3 planos de bacia. De fato, quando eu assumi como diretor, os TR já tinham sido elaborados no final da gestão anterior. Tinham sido elaborados com participação direta de um consultor da equipe técnica do agente financiador que, no caso, era o BM, fato que tinha sido fundamental para sua aprovação. O resultado foi um TR pesado, ultra detalhado, com muitas exigências pontuais. Mas acompanhava o roteiro indicado pela SRH e contava com a aprovação da área técnica do agente financeiro. E, por outra parte, dada a precariedade da equipe técnica da diretoria de recursos hídricos, não havia nenhuma condição de elaborar um TR alternativo em tempo oportuno. Hoje a realidade não seria muito diferente pero creio que as colocações e reflexões de um profissional de reconhecida competência e experiência, como tu, podem colaborar muito para que seja possível atingir “a justa medida” nos TR de planos de recursos hídricos de bacias hidrográficas.
Héctor Raúl Muñoz
Complementando...
ResponderExcluirNa minha opinião, um dos fatores que faz quase obrigatório o detalhamento dos TR é o fato de se precisar de uma previsão orçamentária para o serviço. Por uma parte, é necessário estimar o custo do serviço requerido. Por outra, há que tentar evitar grandes disparidades entre o "preço" das propostas, que resultem, simplesmente, da falta de especificações nos TR.
Héctor Raul Muñoz
De acordo: fiz uma alteração no texto para acatar esta complementação; grato.
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