Os primeiros planos de recursos hídricos com os quais me
envolvi profissionalmente foram na Bahia, início dos anos 90. Havia há pouco tempo sido elaborado o Plano Diretor de Recursos Hídricos do vale do Jequitinhonha,
no qual não participei, onde propuseram o desenvolvimento de 5 modelos
matemáticos, que foram denominados MAGs: Modelos de Avaliação e Gestão de
Recursos Hídricos. Um deles era do tipo chuva-vazão, o outro um modelo de
extremos hidrológicos, havia um estocástico, um quarto que era de simulação e
finalmente um de otimização.
Na época, vinculado ao Instituto de Pesquisas Hidráulicas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – IPH/UFRGS, eu havia desenvolvido
modelos destes cinco tipos em pesquisas individuais e na orientação de alunos
de mestrado e doutorado. Ocorreu que na Bahia havia assumido a Superintendência
de Recursos Hídricos - SRH/BA um antigo contemporâneo da Escola Politécnica da
Universidade Federal da Bahia, onde iniciei os estudos de graduação em
engenharia. E eu, em função de ter meus vínculos no estado devido a esse período,
havia sido convidado por uma grande consultora para participar da sua equipe na
licitação de um dos quatro planos de recursos hídricos de bacias hidrográficas do
estado.
Suponho que o colega, que era titular da entidade
contratante, verificou que havia maior consistência nos modelos que esta
empresa propunha, em função de minha participação na elaboração da proposta.
Por isto, restabeleceu nossos antigos laços de amizade, e manobrou para que as
demais empresas adotassem os mesmos MAGs por mim desenvolvidos. Uma forma de alcançar economias de escala pois julgavam ser caro o desenvolvimento de modelos matemáticos. Desta forma,
passei a assessorar as 4 consultoras contratadas pela SRH/BA na elaboração dos planos das bacias do rio
Grande, do alto Paraguaçú, do Contas e do Salitre.
Na época, o estado da Bahia se encontrava bem defasado nesta
parte de hidrologia computacional, em relação ao que pelo menos nós, do IPH/UFRGS, podíamos
oferecer. Algumas situações curiosas aconteceram. Em uma das consultoras (e não
as nomeio tanto para preservá-las, como por realmente não me recordar em qual) havia apresentado os seus MAGs na forma de listagem do programa-fonte,
em Fortran. Na época em que já trabalhávamos com microcomputadores pessoais –
os PCs – as listagens iniciavam com um "//JOB T", característico do Fortran dos velhos e
enormes computadores da IBM, onde havia iniciado meus trabalhos computacionais
antes de me formar, em 1970, vinte anos atrás daquela época (e 44 em relação ao presente!), portanto. Lembrando que fiz
minha tese de mestrado em um IBM 1130 – ocupando uma sala inteira da UFRGS -
que tinha, para a época, fantásticos 64 k de memória RAM. Hoje qualquer notebook
que cabe em uma pasta tem vários megas (ou 1.000 k bytes) de memória.
O que me surpreendeu é que os modelos que eu deveria aplicar
tinham listagens enormes e não as 2 ou 3 folhas que o colega orgulhosamente
mostrava. E dando uma lida nas listagens, dava para verificar que não eram exatamente
o que se dizia serem, mas simples programas para realizar breves análise de dados
hidrológicos. Esta primeira dificuldade, de fazer as consultoras adotar os
programas que trazia, foi facilmente superada, pois suspeito que nem eles mesmos
acreditavam que aqueles programas que apresentaram fariam o que era demandado.
A segunda dificuldade era de pessoal: as empresas, em sua
maioria, não tinham hidrólogos acostumados ao uso de programas. Em função disto
tive que “importar” 3 hidrólogos ex-alunos meus do IPH, que acabaram com o
tempo se radicando no estado. Sendo que curiosamente 2 eram argentinos e um gaúcho. Este, porém, casado com baiana, o que facilitou sua “aclimatação”.
A terceira dificuldade era que as empresas não estavam
acostumadas com seus profissionais terem PCs nas mesas de trabalho, como já era quase normal e, hoje, essencial. Ao comentar que nem eu, nem meus ex-alunos, podíamos
fazer algo sem um PC exclusivo para nosso uso, isso criou um problema (na época ainda não existiam os notebooks e se usava os PCs locais para trabalho). Já havia
na época pressão de muitos profissionais para terem seus próprios PCs. Algumas
empresas alegaram que se dessem PC a um, isto criaria um problema com todos,
ainda mais que esse contemplado estava recém chegando.
Um fato curioso aconteceu: após o almoço, me reuni com o
pessoal da empresa e com os consultores que havia trazido de Porto Alegre para
mostrar o funcionamento de alguns dos programas. Só havia PCs no “Centro de
Computação” que cada empresa tinha, geralmente ocupado por digitadoras
preenchendo formulários de cadastro ou de pagamentos ou, mesmo, escrevendo
relatórios manuscritos pelo pessoal técnico. Uma delas, “proprietária” do PC
que havíamos nos “apossado”, chegou a nós, um tanto irritada, pedindo que
liberássemos a máquina, pois ela “precisava trabalhar”! Como se estivéssemos
brincando!
Algumas consultoras, resistentes à compra de PCs, ainda
insistiram ponderando se não seria o caso de “comprar” tempo de computação em
algumas empresas que ofereciam seus computadores na base do tempo corrido. Como
se fôssemos rodar uma folha de pagamentos, e não calibrar, analisar, ajustar e
finalmente obter os resultados demandados, em idas e vindas, com várias horas ou dias de trabalho. E como se tivéssemos algo a fazer sem ter nossos PCs ligados em nossas mesas de escritório, como os novos tempos exigiam.
Todas estas dificuldades iniciais foram rapidamente
superadas, ao entenderem as consultoras que novos tempos haviam chegado à Bahia,
e providenciaram a aquisição de um PC para a minha contrapartida local. E foi
com deleite que pude verificar que, a cada nova viagem, mais e mais PCs estavam
nas mesas da equipe da consultora, como elas previam, e como os novos tempos da
consultoria exigiam.
Toda esta descrição
serve para mostrar as mudanças que os planos de recursos hídricos trouxeram na
atividade de consultoria. E a ênfase que havia na parte técnica, especialmente
na modelagem matemática, no seu início. Lembrar que na época acabara de ser
aprovada, em 1991, a lei paulista da Política Estadual de Recursos Hídricos, e
não existiam comitês de bacia para acompanhar a elaboração dos planos. Esses
planos, tinham uma natureza mais técnica do que política, como mais tarde
ocorreu, na qual ambas as vertentes se equilibraram.
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