sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

3 - O início – ênfase na modelagem matemática

Os primeiros planos de recursos hídricos com os quais me envolvi profissionalmente foram na Bahia, início dos anos 90. Havia há pouco tempo sido elaborado o Plano Diretor de Recursos Hídricos do vale do Jequitinhonha, no qual não participei, onde propuseram o desenvolvimento de 5 modelos matemáticos, que foram denominados MAGs: Modelos de Avaliação e Gestão de Recursos Hídricos. Um deles era do tipo chuva-vazão, o outro um modelo de extremos hidrológicos, havia um estocástico, um quarto que era de simulação e finalmente um de otimização.
Na época, vinculado ao Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – IPH/UFRGS, eu havia desenvolvido modelos destes cinco tipos em pesquisas individuais e na orientação de alunos de mestrado e doutorado. Ocorreu que na Bahia havia assumido a Superintendência de Recursos Hídricos - SRH/BA um antigo contemporâneo da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia, onde iniciei os estudos de graduação em engenharia. E eu, em função de ter meus vínculos no estado devido a esse período, havia sido convidado por uma grande consultora para participar da sua equipe na licitação de um dos quatro planos de recursos hídricos de bacias hidrográficas do estado.
Suponho que o colega, que era titular da entidade contratante, verificou que havia maior consistência nos modelos que esta empresa propunha, em função de minha participação na elaboração da proposta. Por isto, restabeleceu nossos antigos laços de amizade, e manobrou para que as demais empresas adotassem os mesmos MAGs por mim desenvolvidos. Uma forma de alcançar economias de escala pois julgavam ser caro o desenvolvimento de modelos matemáticos. Desta forma, passei a assessorar as 4 consultoras contratadas pela SRH/BA na elaboração dos planos das bacias do rio Grande, do alto Paraguaçú, do Contas e do Salitre.
Na época, o estado da Bahia se encontrava bem defasado nesta parte de hidrologia computacional, em relação ao que pelo menos nós, do IPH/UFRGS, podíamos oferecer. Algumas situações curiosas aconteceram. Em uma das consultoras (e não as nomeio tanto para preservá-las, como por realmente não me recordar em qual) havia apresentado os seus MAGs na forma de listagem do programa-fonte, em Fortran. Na época em que já trabalhávamos com microcomputadores pessoais – os PCs – as listagens iniciavam com um "//JOB T", característico do Fortran dos velhos e enormes computadores da IBM, onde havia iniciado meus trabalhos computacionais antes de me formar, em 1970, vinte anos atrás daquela época (e 44 em relação ao presente!), portanto. Lembrando que fiz minha tese de mestrado em um IBM 1130 – ocupando uma sala inteira da UFRGS - que tinha, para a época, fantásticos 64 k de memória RAM. Hoje qualquer notebook que cabe em uma pasta tem vários megas (ou 1.000 k bytes) de memória.
O que me surpreendeu é que os modelos que eu deveria aplicar tinham listagens enormes e não as 2 ou 3 folhas que o colega orgulhosamente mostrava. E dando uma lida nas listagens, dava para verificar que não eram exatamente o que se dizia serem, mas simples programas para realizar breves análise de dados hidrológicos. Esta primeira dificuldade, de fazer as consultoras adotar os programas que trazia, foi facilmente superada, pois suspeito que nem eles mesmos acreditavam que aqueles programas que apresentaram fariam o que era demandado.
A segunda dificuldade era de pessoal: as empresas, em sua maioria, não tinham hidrólogos acostumados ao uso de programas. Em função disto tive que “importar” 3 hidrólogos ex-alunos meus do IPH, que acabaram com o tempo se radicando no estado. Sendo que curiosamente 2 eram argentinos e um gaúcho. Este, porém, casado com baiana, o que facilitou sua “aclimatação”.
A terceira dificuldade era que as empresas não estavam acostumadas com seus profissionais terem PCs nas mesas de trabalho, como já era quase normal e, hoje, essencial. Ao comentar que nem eu, nem meus ex-alunos, podíamos fazer algo sem um PC exclusivo para nosso uso, isso criou um problema (na época ainda não existiam os notebooks e se usava os PCs locais para trabalho). Já havia na época pressão de muitos profissionais para terem seus próprios PCs. Algumas empresas alegaram que se dessem PC a um, isto criaria um problema com todos, ainda mais que esse contemplado estava recém chegando.
Um fato curioso aconteceu: após o almoço, me reuni com o pessoal da empresa e com os consultores que havia trazido de Porto Alegre para mostrar o funcionamento de alguns dos programas. Só havia PCs no “Centro de Computação” que cada empresa tinha, geralmente ocupado por digitadoras preenchendo formulários de cadastro ou de pagamentos ou, mesmo, escrevendo relatórios manuscritos pelo pessoal técnico. Uma delas, “proprietária” do PC que havíamos nos “apossado”, chegou a nós, um tanto irritada, pedindo que liberássemos a máquina, pois ela “precisava trabalhar”! Como se estivéssemos brincando!
Algumas consultoras, resistentes à compra de PCs, ainda insistiram ponderando se não seria o caso de “comprar” tempo de computação em algumas empresas que ofereciam seus computadores na base do tempo corrido. Como se fôssemos rodar uma folha de pagamentos, e não calibrar, analisar, ajustar e finalmente obter os resultados demandados, em idas e vindas, com várias horas ou dias de trabalho. E como se tivéssemos algo a fazer sem ter nossos PCs ligados em nossas mesas de escritório, como os novos tempos exigiam.
Todas estas dificuldades iniciais foram rapidamente superadas, ao entenderem as consultoras que novos tempos haviam chegado à Bahia, e providenciaram a aquisição de um PC para a minha contrapartida local. E foi com deleite que pude verificar que, a cada nova viagem, mais e mais PCs estavam nas mesas da equipe da consultora, como elas previam, e como os novos tempos da consultoria exigiam.
Toda esta descrição serve para mostrar as mudanças que os planos de recursos hídricos trouxeram na atividade de consultoria. E a ênfase que havia na parte técnica, especialmente na modelagem matemática, no seu início. Lembrar que na época acabara de ser aprovada, em 1991, a lei paulista da Política Estadual de Recursos Hídricos, e não existiam comitês de bacia para acompanhar a elaboração dos planos. Esses planos, tinham uma natureza mais técnica do que política, como mais tarde ocorreu, na qual ambas as vertentes se equilibraram. 

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