Planos de Recursos Hídricos em que participei:
Hidro Lógicas
Este blog busca transmitir a experiência angariada em minha vida profissional dedicada aos recursos hídricos. Respaldo-me no meu envolvimento em atividades relacionadas à hidrologia, políticas e instrumentos de gerenciamento de recursos hídricos, e em mais de 4 dezenas de planos que tive a oportunidade de participar. Seu objetivo é deixar um testemunho e, também, discutir algumas questões pendentes na implementação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2022
quarta-feira, 5 de julho de 2017
segunda-feira, 24 de março de 2014
17 – Cobrança pelo uso de água: ruim com ela, pior sem...
O título um tanto exagerado desta
postagem refere-se à decepção que instrumento de cobrança pelo uso de água traz, quando se compara a expectativa que havia a seu respeito, com a realidade resultante de sua implantação. A cobrança não permite apoiar, onde foi implantada, os
investimentos que as bacias hidrográficas demandam para atender as melhorias
nos balanços hídricos em quantidade e qualidade, como era esperado. Mas
permite, nos trechos federais de algumas bacias:
- Piracicaba, Capivari e Jundiaí: assumir parte dos investimentos em obras de saneamento que contribuem para a melhoria da qualidade de água.
- Paraíba do Sul: a elaboração de planos municipais de saneamento básico.
- São Francisco: a implantação de vários pequenos projetos hidroambientais para conservação do solo, proteger nascentes e readequar estradas rurais e elaborar de planos municipais de saneamento básico.
Em bacias de rios estaduais, em São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais projetos desta natureza e também de
educação ambiental, entre outros exemplos, têm sido sustentados pelos recursos
da cobrança.
Portanto, constata-se algumas melhorias que, se não têm a
abrangência que se esperava originalmente, pelo menos promovem sentido à
existência de um comitê de bacia.
Entretanto, nem todos os comitês têm capacidade de pagamento
suficiente para arrecadar recursos que justifiquem a implementação deste
instrumento. Fazendo as contas, se pode verificar que apenas bacias com
populações expressivas e industrializadas tem arrecadação significativa na qual
a cobrança possa fazer alguma diferença para o gerenciamento de recursos
hídricos. O Quadro a seguir ordena as bacias onde existe cobrança, pelo valor
arrecadado em 2012.
Bacia Hidrográfica
|
Bacia/UF
|
Domínio
|
Início
|
2012
|
Arrecadado
|
||||
Guandu
|
RJ
|
RJ
|
mar/04
|
22.017.496,00
|
CBHSF
|
S. Francisco
|
União
|
jul/10
|
21.500.946,05
|
PCJ (interestadual)
|
PCJ
|
União
|
jan/06
|
17.840.713,24
|
PCJ (paulista)
|
PCJ
|
SP
|
jan/07
|
17.677.619,98
|
CEIVAP (interestadual)
|
Paraíba Sul
|
União
|
mar/03
|
10.310.157,36
|
Baixada Santista
|
SP
|
SP
|
jan/12
|
8.799.179,59
|
Velhas
|
S. Francisco
|
MG
|
mar/10
|
7.560.694,97
|
Sorocaba e Médio Tietê
|
SP
|
SP
|
ago/10
|
6.879.646,71
|
Piracicaba
|
Doce
|
MG
|
jan/12
|
5.581.166,15
|
Araguari
|
Paranaíba
|
MG
|
mar/10
|
5.563.298,00
|
Baía de Guanabara
|
RJ
|
RJ
|
mar/04
|
3.954.626,59
|
CBH-Doce3
|
Doce
|
União
|
nov/11
|
3.438.674,02
|
Paraíba do Sul
|
Paraíba Sul
|
SP
|
jan/04
|
3.044.899,46
|
CEIVAP (Transp. PBS/Guandu)1
|
Paraíba Sul
|
União
|
jan/07
|
2.959.922,20
|
Piranga
|
Doce
|
MG
|
jan/12
|
2.215.353,99
|
Lagos São João
|
RJ
|
RJ
|
mar/04
|
1.653.396,21
|
Médio Paraíba do Sul
|
Paraíba Sul
|
RJ
|
jan/04
|
1.191.622,93
|
Macaé e Rio das Ostras
|
RJ
|
RJ
|
mar/04
|
1.073.149,84
|
Santo Antônio
|
Doce
|
MG
|
jan/12
|
978.228,17
|
Piabanha
|
Paraíba Sul
|
RJ
|
jan/04
|
750.585,34
|
Dois Rios
|
Paraíba Sul
|
RJ
|
jan/04
|
659.829,76
|
Manhuaçu
|
Doce
|
MG
|
jan/12
|
506.806,07
|
Caratinga
|
Doce
|
MG
|
jan/12
|
500.733,84
|
Suaçuí
|
Doce
|
MG
|
jan/12
|
428.837,69
|
Baía da Ilha Grande
|
RJ
|
RJ
|
mar/04
|
270.401,85
|
PCJ (interestadual) - MDP4
|
PCJ
|
União
|
jan/07
|
221.694,70
|
Baixo Paraíba do Sul
|
Paraíba Sul
|
RJ
|
jan/04
|
183.384,57
|
Piracicaba-Jaguari
|
PCJ
|
MG
|
mar/10
|
104.130,93
|
Itabapoana
|
RJ
|
RJ
|
mar/04
|
49.599,69
|
TOTAL NO PAÍS2
|
144.956.873,70
|
|||
TOTAL UNIÃO2
|
53.312.185,37
|
|||
TOTAL SP
|
36.401.345,74
|
|||
TOTAL RJ
|
31.804.092,78
|
|||
TOTAL MG
|
23.439.249,81
|
|||
TOTAL NO PAÍS2
|
144.956.873,70
|
|||
1- Conforme art. 1º da Resolução CNRH
nº 66/06, a cobrança pelo uso das águas transpostas da bacia do rio Paraíba
do Sul para a bacia do rio Guandu corresponde a 15% dos recursos arrecadados
pela cobrança na bacia do rio Guandu (o CBH-Guandu tem atuação nos rios
Guandu, Guarda e Guarda-Mirim, os 15% referem-se apenas a cobrança arrecadada
sobre as águas superficiais do rio Guandu). Não há emissão de boleto pela
ANA, sendo os valores transferidos diretamente do INEA/RJ para o CEIVAP.
|
||||
2- No total da União e do País para não haver dupla contagem,
desconsiderou-se os valores da linha "CEIVAP (Transp. PBS/Guandu)",
pois os mesmos estão contabilizados na linha "Guandu".
|
||||
3- Os boletos referentes à cobrança de 2011 na Bacia do Doce foram
encaminhados somente em 2012.
|
||||
4- MDP = Mecanismo Diferenciado de Pagamento, conforme Resolução CNRH
nº 78/07.
|
||||
Fonte: Agência Nacional de Água; atualização: mar/2013.
|
Os 145 milhões arrecadados em todo país em 2012 não
representam muita coisa frente à demanda de recursos para despoluição das
bacias, por exemplo. Mas, como foi dito acima, pelo menos justifica a
existência do CBH: para tomar a decisão sobre onde aplicar estes recursos.
Cobrança no estado do Rio de Janeiro
O início da cobrança no Estado foi precedido da experiência
pioneira na bacia do rio Paraíba do Sul. Posteriormente, através da Lei RJ
4.247, de 16 de dezembro de 2003, a cobrança pelo uso da água foi estendida a
todo o estado do Rio de Janeiro, sendo alterada em sua redação pela Lei RJ
5.234/08, tendo como principais características:
- Critérios e valores iguais aos fixados pelo CEIVAP em 2003 (e que foram alterados posteriormente pelo próprio CEIVAP);
- Condicionamento à efetiva implantação dos comitês de bacia estaduais e à elaboração dos respectivos planos de bacia hidrográfica.
No que concerne aos aspectos metodológicos, a cobrança pelo
uso da água no Rio de Janeiro apresenta poucas distinções em relação à
formulação implementada pelo CEIVAP em 2003. Portanto, o Rio de Janeiro
apresentou a novidade de implementar a cobrança em todo o estado, mediante uma
lei. Isto, à primeira vista, pareceu ir de encontro (ou seja, não estar de
acordo), e não ao encontro (em sintonia), com a Política Nacional de Recursos
Hídricos. Afinal, o instrumento foi aplicado à todo estado, sendo que o
mecanismo e os preços não foram deliberados pelos comitês, mas impostos pela
lei de origem no executivo do estado.
Entretanto, o fato dos comitês das bacias fluminenses
passarem a ter recursos para aplicar, não apenas estimulou as suas criações
como também lhes deu uma pauta de atuação. Muitos, com os recursos a eles
destinados – na realidade os 7,5% -, puderam constituir suas Agências de Bacia,
e terem assim uma secretaria administrativa, ou até mais do que isto, para organizar
a agenda, promover as reuniões e pagar o custeio da máquina. E, mais
importante, implementar pequenos projetos com os 93,5% restante dos recursos.
Cobrança no estado do Rio Grande do Sul
Interessante que o Rio Grande do Sul, em sua lei estadual da
Política de Recursos Hídricos, já havia previsto algo similar. Em seu Art. 23 dispôs
que “Serão elementos constitutivos do
Plano Estadual de Recursos Hídricos: IX - o limite mínimo para a fixação dos
valores a serem cobrados pelo uso da água”. Ou seja, pela lei, o Plano
Estadual de Recursos Hídricos fixaria para todo o estado um limite mínimo de
cobrança que poderia ser aumentado pelo comitê em seu plano de bacia. No
entanto, o estado demorou a aprovar seu plano estadual, fazendo-o apenas este
ano, 2014, passados, portanto, quase 20 anos da aprovação da lei. E nele não
houve definição deste limite mínimo de cobrança que poderia dar consistência funcional
e recursos para que os comitês com capacidade de arrecadação não fiquem à
míngua, dependendo do estado ou dos municípios para obterem recursos para
manterem minimamente as suas secretarias e alguns programas como os que são
apoiados no Rio de Janeiro.
Conclusões parciais
Parece que o exemplo colocado em prática no Rio de Janeiro - e
apenas na teoria no Rio Grande do Sul - poderia ser um caminho para dar
consequência aos comitês instalados, desde que se refiram a bacia hidrográficas
com capacidade de arrecadação. Permitiria que não dependessem mais dos governos
para manterem uma secretaria administrativa e ainda sobrasse algum recurso para
pequenos projetos, como mostram os exemplos de aplicação de recursos da
cobrança.
Limites de uso dos recursos da cobrança para custeio do comitê e de sua agência
A lei da Política Nacional de Recursos Hídricos estabeleceu
como limite 7,5% da arrecadação “no pagamento de despesas de implantação e custeio
administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos” (Art. 22, inc. II e § 1º.). As
unidades federadas em grande parte acompanharam a União neste percentual. Uma
das exceções foi o Rio Grande do Sul que estabeleceu um limite de 8% para “custeio
dos respectivos Comitê e Agência”, e ainda 2% para “custeio das atividades de
monitoramento e fiscalização do órgão ambiental do Estado desenvolvidas na
respectiva bacia”. Estes valores mostram o quão otimistas foram os legisladores,
ao imaginar que 2% seria algo substancial para apoiar atividades caras de
monitoramento e fiscalização (trata-se aqui de uma autocrítica já que fui um
dos membros do grupo de trabalho que elaborou o projeto de lei que foi aprovado
na íntegra). O mesmo se pode dizer dos 7,5% (ou 8%): havia uma expectativa que
os recursos fossem vultuosos e que poderiam ser usados “no financiamento de estudos, programas,
projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos” (Lei federal
9.433/97) e o legislador pretendeu restringir o direcionamento dos recursos para custeio.
Hoje, quando se verifica o quão pequenos são estes recursos, e menos ainda representam seus 7,5%, o que impede alguns comitês com pequenas
capacidades de arrecadação de manterem uma secretaria administrativa. Entendo
que mesmo nos casos em que todo recurso da cobrança fosse usado para custeio do
comitê, ainda assim seu papel de negociação e de “arbitrar, em primeira instância administrativa, os
conflitos relacionados aos recursos hídricos” (art. 38, inc. II da Lei federal
9.433/97 que trata das competências do comitê) seria válido. Por isto acredito
que este limite pode ser ampliado, pela decisão do próprio comitê. O que
obviamente determinará uma alteração da legislação.
Conclusão final
Apesar de decepcionante diante das expectativas que havia, a
cobrança ainda pode ser um instrumento relevante para estabelecer autonomia
financeira para os comitês e, em certos casos, para que possam aplicar seus
resultados em estudos e pequenos projetos que acabam por justificar e reforçar
suas existências. A prática do Rio de Janeiro - e a teoria do Rio Grande do Sul - em propor que seja iniciada a cobrança de imediato em todo estado, com um valor
mínimo que poderá ser incrementado pelo Plano de Bacia Hidrográfica se
demonstrou bem sucedida no estado fluminense. Deve por isto servir de exemplo
às demais unidades federadas e talvez à própria União, em águas federais.
Deixar também à deliberação dos comitês o percentual da arrecadação da cobrança
a ser aplicado em seu custeio parece ser uma solução para viabilizar o comitê
no exercício de suas competências, especialmente quando a arrecadação for
pequena, o que ocorre na maioria dos casos. Já que pouco se pode fazer em matéria de investimentos, que seja feito em matéria de custeio da atuação do comitê.
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